terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Natal



A Márcio
Olhou-a pela primeira vez e sentiu como se a conhecesse há anos. Seus traços tão comuns lhe davam a idéia de reencontro. De onde a conhecia? De onde? Não conseguia lembrar. Detido nessa busca, permaneceu imóvel por alguns segundos, até ouvir seu nome:
- Ricardo, essa é Sofia.
- Prazer. – Disse com uma voz ainda embargada, como se acabasse de acordar.
- Prazer. – Respondeu ela sorrindo.
Não conseguiu falar mais nada durante um bom tempo. Apenas um nome ressoava em sua mente “Sofia, Sofia...”, inúmeras vezes. Tentou disfarçar, não conseguiu. Então, levantou- se devagar e sem olhar para ninguém pôs-se a andar pelo corredor até a varanda. Se alguém percebeu sua retirada, não disse nada.
Chegou ao local com os olhos lacrimejados. Descobriu que, na verdade, não a conhecia, não a conhecia desse mundo. “Ela parece um anjo”, disse para si mesmo. Não compreendia por que vê-la lhe comovia tanto. Olhou para as ruas e achou que a cidade ficava ainda mais bonita no natal, quando as luzes, intensificadas pela época, iam surgindo a medida em que o sol se punha. Achava lindo o crepúsculo, mas o daquela cidade sempre lhe tirava o fôlego. No céu, mesclavam-se tons de azul, rosa, amarelo e vermelho feito um quadro que se pinta e se apaga diariamente. Não tardou até o sol se ir por completo.
Alguns passos, vindos do corredor, lhe tiraram daquela contemplação. Voltou a face para dentro e viu alguém que se aproximava, em passos leves. Era um vulto que surgia do escuro e, aos poucos, ganhava formas. Tal foi seu espanto ao vê-la, parecia-lhe ainda mais bela assim: cabelos soltos, olhos comprimidos em um sorriso, tudo nela iluminava-se. Pensou que ela era linda como uma noite de natal. A moça debruçou-se sobre o mármore e disse:
- Me comove ver o quanto essa cidade se torna ainda mais bonita no natal.
Ele não soube o que dizer. Buscou palavras na mente, mas a única coisa que conseguiu fazer foi sorrir.
- Vista de cima então... é... me parece perfeita.
Ele, sabendo que não podia mais permanecer em silêncio, respondeu:
- É a primeira vez que ouço alguém falar de sua cidade desse modo.
- Aqui é o meu lugar, meu mundo, meu paraíso. Apenas me permito vê-la com os olhos de uma criança.
Percebeu que ela tinha um sotaque lindo, meio arrastado. Falava como se cantasse. Isso. Achou uma definição. Voltou seus olhos para ela e deixou que eles ficassem assim, presos, rendidos... Soube que era essa a paisagem que o atraía mais.
- Deve ser por isso que sou incompreendida. Tudo no mundo é tão depressa: os passos, o tempo, o amor. Mas os meus passos são sempre lentos para que meus pés reconheçam o caminho; o tempo, deixo aos relógios, por isso não os trago no pulso, me sentiria algemada; e o amor... sobre ele, eu não posso dizer nada.
- Por quê? – Indagou-a.
- A gente só deveria falar do que conhece plenamente. Mas o amor, quanto mais se vive, mas se tem para viver. É ilimitado. Os homens precisam de definições, coisa que falta ao amor. O que é divino jamais terá linhas delimitantes. O amor é somente para os que se atrevem a ultrapassar as fronteiras de si, é para os que se permitem arriscar.
- O que posso te dizer? Que não sonhei contigo todas as noites desse cinco anos? Que não te pensei em cada pôr-do-sol? Que não desejei abrir os olhos e perceber que eras tu quem eu envolvia em meus braços? Era o teu ar que eu respirava? Eram os teus lábios todos os outros que eu beijei enquanto te buscava, enquanto te buscava em cada outra mulher com quem cruzei na vida?
- Por que não voltaste? Acaso não sabias o quanto te amava? Quantas noites te esperei? Quantos crepúsculos e auroras eu vaguei sozinha, por caminhos ignotos, buscando alguma estrada que me levasse até tu? Quantos braços eu não abracei, quantos lábios eu não beijei à espera de teus braços e de teus beijos? Por que eu te amei tanto que ultrapassei o limite dos homens. Tanto te amei que te dei a única coisa que jamais te será dado por nenhuma outra: a liberdade.
Não havia mais silêncio. Ao fundo, a canção que os escolheu ditava o ritmo das lágrimas que escorriam com tanto ímpeto pela face dele. Ela não chorava. Tinha chorado por tanto tempo que suas lágrimas haviam secado. As lágrimas, não o seu peito.
Então, abraçou-o fortemente, como por tanto tempo esperou abraçá-lo. Secou com beijos as lágrimas que vertiam ainda mais fortemente. Descobriu, por fim, que havia conhecido o amor, o amor que entregava em sua prova mais fiel: o perdão.

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