sexta-feira, 24 de junho de 2011

Despedida

Caros amigos, durante mais de dois anos, compartilhei convosco as minhas memórias. O "Por motivos de versos" não foi um projeto para divulgar os meus escritos. Foi um projeto para guardar os meus escritos. Era uma forma de escrever cartas para o mundo inteiro a partir de cartas escritas a um só coração, estivesse ele presente ou ausente.O "Por motivo de versos", na verdade, era por um único motivo.
Lembro-me da canção de um dos meus compositores preferidos que tem como título "Canção da despedida". O meu doce cantor diz "Já vou embora...". Me despeço desse blog não com lágrimas de saudades, mas com o sorriso de mais um sonho realizado; não de uma página que se vira, mas de um livro que termina. Preciso terminar minha inesgotável biblioteca agora.
Deixo, no entanto, o meu último escrito: Um texto dedicado ao amor que me conquistou sem que eu percebesse. Esse texto é um hino de amor ao meu amor mais raro.
O "Por motivo de versos" continuará aqui, como oração que se sabe de cor, mas que a gente finge que esquece só para tocar o papel. E eu, me despeço aqui, rapidamente, para que o meu coração, mais facilmente, saiba suportar.

Um abraço apertado,

Reika Dantas.

Quebra-cabeça


Talvez não fosse por acaso que eles se encontraram. Foi por acaso que eles se olharam. Haviam desistido de se procurar. As palavras vieram fáceis depois dos olhares, sutis, quase que naturais. E as palavras que não existiam, ou que eles não ousavam proferir, foram sublimadas naqueles olhares. Eles não esqueceram que havia compromisso. Por não compreenderem o que estavam sentindo, transformaram tudo em cuidados fraternos. Respondiam às línguas questionadoras com a única certeza que tinham: eram amigos. Ela com sonhos de noiva sem aliança e de passagens compradas para a cidade maravilhosa. Ele com os sonhos de homem que solta papagaio com os ouvidos voltados às notícias do lugar onde parecia morar seu coração.

E ele a reconheceu no momento em que falava ao celular com o seu noivo. Sim! Reconheceu-a. Haviam se visto duas vezes antes; a primeira, há um pouco menos de um ano. “Quantos anos tu tem?” - ela achou estranho que, após o sorriso, a primeira coisa que ele tivesse lhe dado fosse uma pergunta dessas. “Chuta!”- ela respondeu. Aí ele chutou e ela riu de novo. Reconheceram-se assim. Ele se lembrava dela com a memória. Ela se lembrava dele com a alma. Apertariam as mãos se pudessem como na pré-história quando os homens davam-se as mãos em sinal de paz. Estavam inconscientemente desarmados.

Depois vieram as músicas, os sorrisos, as mãos... É bem verdade que as mãos vieram quando já não existia volta, quando não existia sequer medo, se é que alguma vez ele fez parte da história que vos conto. Havia mais o receio de machucar quem amavam, que o rompimento do compromisso significasse, aos olhos alheios, desrespeito. Depois vieram a partida, as vozes que se faziam ouvidas à distância, as noites em claro, um novo compromisso, um conhecido serenata, mais partidas, mais reencontros, mais poesia, mais música, mais insônia... Até que chegaram as dúvidas. Não as dúvidas sobre o amor. Eram dúvidas sobre os relógios. E eles resolveram as dúvidas sobre os relógios quebrando os relógios. E eles se amaram mais sem os relógios.

Queira perdoar-me, amigo leitor, mas eu não sei o final dessa história sobre duas pessoas diferentes que tinham os mesmos sonhos. Eu nem sei se, para essa história, haverá final. Eu sei é que, com ele, ela sorria mais. E que, com ela, ele aprendeu que amar se realiza em todas as conjugações. Mais que isso, ele aprendeu a viver que um amor-perfeito só existe se for um amor arquitetado por Aquele que é perfeito. Na verdade, ele nunca entendeu os poemas dela e ela nunca entendeu os cálculos dele. Eles são como peças de um quebra-cabeça. E eles sabem disso. É por causa das diferenças que eles se completam.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Latim


Summa cum laudes - dize-me sem voz nem tato -
a tantos quilômetros, estradas e mares, ouço a tua ausência.

Quão distante? Para que querer saber?
Para que beijos, passos, ruídos perdidos para sempre na memória?
O que resta de ti nesse amanhecer que me espera?

Respondo-te em tantas línguas agora.
A saliva, alquimia de minha boca com a tua
Transpiração de dedos e mãos e braços inquietos
Epilepsia de tantos tecidos, ventania, o frêmito em meu vestido a girar o mundo, os ponteiros do relógio...

São trilhas que cruzam sonoras: nossa vida e nossa música
embalando essa cançao que te canto mudamente em dó maior
para ouvir a tua voz.
Nossos caminhos, lençóis enlaçados, cabelos trançados
ou soltos a velar a desnuda tez do meu peito dilacerado.

Distingue-se tudo de nós.Fogo e mar.
Respondo-te assim, a me queimar de frio,
O que resta de nós agora? Nada. Nihil.