sexta-feira, 24 de junho de 2011

Quebra-cabeça


Talvez não fosse por acaso que eles se encontraram. Foi por acaso que eles se olharam. Haviam desistido de se procurar. As palavras vieram fáceis depois dos olhares, sutis, quase que naturais. E as palavras que não existiam, ou que eles não ousavam proferir, foram sublimadas naqueles olhares. Eles não esqueceram que havia compromisso. Por não compreenderem o que estavam sentindo, transformaram tudo em cuidados fraternos. Respondiam às línguas questionadoras com a única certeza que tinham: eram amigos. Ela com sonhos de noiva sem aliança e de passagens compradas para a cidade maravilhosa. Ele com os sonhos de homem que solta papagaio com os ouvidos voltados às notícias do lugar onde parecia morar seu coração.

E ele a reconheceu no momento em que falava ao celular com o seu noivo. Sim! Reconheceu-a. Haviam se visto duas vezes antes; a primeira, há um pouco menos de um ano. “Quantos anos tu tem?” - ela achou estranho que, após o sorriso, a primeira coisa que ele tivesse lhe dado fosse uma pergunta dessas. “Chuta!”- ela respondeu. Aí ele chutou e ela riu de novo. Reconheceram-se assim. Ele se lembrava dela com a memória. Ela se lembrava dele com a alma. Apertariam as mãos se pudessem como na pré-história quando os homens davam-se as mãos em sinal de paz. Estavam inconscientemente desarmados.

Depois vieram as músicas, os sorrisos, as mãos... É bem verdade que as mãos vieram quando já não existia volta, quando não existia sequer medo, se é que alguma vez ele fez parte da história que vos conto. Havia mais o receio de machucar quem amavam, que o rompimento do compromisso significasse, aos olhos alheios, desrespeito. Depois vieram a partida, as vozes que se faziam ouvidas à distância, as noites em claro, um novo compromisso, um conhecido serenata, mais partidas, mais reencontros, mais poesia, mais música, mais insônia... Até que chegaram as dúvidas. Não as dúvidas sobre o amor. Eram dúvidas sobre os relógios. E eles resolveram as dúvidas sobre os relógios quebrando os relógios. E eles se amaram mais sem os relógios.

Queira perdoar-me, amigo leitor, mas eu não sei o final dessa história sobre duas pessoas diferentes que tinham os mesmos sonhos. Eu nem sei se, para essa história, haverá final. Eu sei é que, com ele, ela sorria mais. E que, com ela, ele aprendeu que amar se realiza em todas as conjugações. Mais que isso, ele aprendeu a viver que um amor-perfeito só existe se for um amor arquitetado por Aquele que é perfeito. Na verdade, ele nunca entendeu os poemas dela e ela nunca entendeu os cálculos dele. Eles são como peças de um quebra-cabeça. E eles sabem disso. É por causa das diferenças que eles se completam.

4 comentários:

  1. "Ela com sonhos de noiva sem aliança e de passagens compradas para a cidade maravilhosa." Eu sei de quem vc fala aqui... já chorei por ele... por ele estar com vc e eu sem ele!

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  2. Lindo, lindo! Torço para que Deus os ilumine e que essa história não tenha fim *-*

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  3. Kkkkkkkkkkk... é cada um que me aparece.

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